quinta-feira, 2 de julho de 2009

Quase feliz, casamento: 12/03/87.

1. Resta escrever sobre os azulejos da cozinha. Contei todos. Meia xícara de mostarda com duas de tomate, oito azulejos azuis com dois verdes. Quanto são? Quanto são? Diga, amor meu, diga. Diga quantos filhos temos, diga.
2. Amor meu: goiaba com biscoito com mel. Se eu dissesse tudo em inglês seria underground, não seria?, amor. Bem sabe você que parei meu curso de inglês. Além de não gostar, achei que não tinha utilidade. Útil deve ser aquilo que não compete com nada, não?
3. Esqueci de lhe contar- ralei meu dedo no ralador de cenouras. Só notei depois de alguns instantes, mas fique tranquilo, amorzinho, não lhei dei comida com sangue, lhe dei foi comida com mel.
4. Não sei mais como lhe encontrar. É que para lhe encontrar, teria que lhe esquecer nem que fosse por dois minutos.
5. O desodorante acabou, o sal também. De agora em diante seremos pessoas sem cheiro, sem gosto. Indistintos, seremos moléculas livres. Irresistivelmente amenos.
6. Não sei mais porque essas palavras, porque escrever. Palavras não se contam. Convivo mal com a dúvida, você bem sabe, e ante essa dúvida de escrever, simplesmente lhe desacarto e prossigo. A vida é um trem bala ou um lampião aceso. Não importa. Estou disposta a correr o risco. Penso sempre naquelas mulheres dizendo: "sem subterfúgios". Não sei como alguém pode ter subterfúgios na frente do fogão. Pois bem, sou uma mulher sem subterfúgios.
7. Foi depois de um mês que você me chamou de traste, incômodo? Foi, deve ter sido. Aquele mau humor gelado de manhã.
8. Não me esqueço daquela socióloga que distribuía uns panfletos sobre a exploração da mulher. Tinha quatro filhos. Lembro do "uni-vos" me negrito. Não quero me unir a nada. Quero ser sozinha. A vizinha me pediu o alicate emprestado. Espero que ela espete o rabo.
9. Doce- toda tarde tenho vontade de comer um doce. Você é um anjo mau que não me atende. Às vezes, penso que vou dormir com os anjinhos. Tem pintinhos coloridos e são gostosos. Papos-de-anjo. (Sem sementes).
10.Cenoura, quiabo, mandioca. Será que esqueci alguma coisa? Esqueci, sim. Foi na cabeceira da cama ou no chão do automóvel, mas foi um esquecimento rápido, oportuno. Nunca esquecimentos longos, profundos, do chão do navio, da cabeceira da morte; sou oportuna, meu amor, oportuna.
11. As mulheres das revistas são falsas. Pintadas, retocadas, são o seu mau gosto saudável. Não digo nada. Quando você sai, torço as revistas; às vezes, xingo. Outro dia, joguei uma página fora. Ela era muito saudável.
12. Tudo que há de melhor, a gente tem aqui. Enfio a minha cabeça no seu peito, a gente é quase uma família. Uma ostra complexa, fechada. Qualquer dia, vou vestir meu vestido de noiva. Pra ir a uma festa a fantasia ou qualquer coisa assim. Sou quase feliz. Finalmente, o amor não tem nada de trágico. Eu mesma, tenho amor por quatro.

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