terça-feira, 6 de maio de 2008

Mistério

MISTÉRIO
Planejei anos o conto da vingança. Em alguns momentos, mais sintéticos e profundos, seria um poema. Colocaria a palavra morte, sangue, a palavra Amor. Nem pensei que seria a morte da nossa melhor amiga, talvez a nossa única amiga verdadeira, que não percebeu nossa separação como uma saída, que me levaria ao computador.
É, infelizmente não estou aqui porque você gritou comigo, atrasou a pensão, mentiu dizendo estar ocupado ou não ter dinheiro. Estou aqui porque estou com saudade de falar com você e sei que seria inútil falar porque na verdade não existe o perdão e ele não cola coração e as lembranças não escritas não querem me deixar dormir essa noite.
Lembro sempre da gente rindo e cantando e o sexo desapareceu da minha mente. Não, eu não parei de menstruar e amo meu marido atual. Pelo menos na cama com ele está bom.
O que me assusta é perceber na minha mente que a cozinha suja não cheira mais a azedo, que as mágoas desapareceram e eu tenho vontade de chorar porque de repente tudo ficou bonito. Não sabia que seria assim envelhecer.
E preciso te contar que rio das nossas traições, nos acho divinamente ridículos e tolos e malucos e engraçados e perfeitamente engajados nos mais nobres valores da arte moral de ser infeliz agradando a todas as mais vaidosas criaturas.
Parece que ando em círculos abrindo o jogo e questionando a existência, mas não há dados em minhas mãos. Estou profundamente chateada por ser tão sua Amiga e sincera e ter visto nossa Amiga morrer. Achei que eu ia morrer antes dela. Não sei porque achei isso e agora vão ser mais anos de análise e terapias diversas para entender o que essa minha mente sombria, travessa e mal iluminada apronta prá mim nas noites de penumbra.
Converso com nossa Amiga nos nossos pensamentos e Ela me diz que não está bom como está. Que deveríamos fazer as pazes no mais íntimo de nossas Almas, porque do lado de lá tudo que é ódio vira Escuridão e só o amor purifica o mais longo dos dias que se chama Morte.
Ai, a solidão é este cálice onde enfio meus dedinhos cheios de Mel e os retiro.
Estamos no ápice e uma vertigem ainda nos atrai. Não é o vértice, um balão no céu que só existe na minha memória. É uma flor esquisita que nasceu onde eu não esperava. É um mês de balanço em pleno carnaval. São todas as estações sabendo que você criticaria minha falta de estilo escrevendo, minha falta de tesão pela pessoa certa e meu saco cheio por tudo isso que se chama prendas domésticas. Até de feng-shui cansei. Agora só quero viver essa paixão que tem me abençoado todos os dias. Não vou mais pedir perdão. Quero ser abraçada por uma multidão nua e sem culpas, sem a invenção do juízo final e do fim de nossos dias...
Ando com a foto do nosso neto na agenda e não sabia que a vida me daria tanta ternura e meiguice junto com as varizes.
Lembro de mim dançando e cantando “On the sentimental side” da Billie Holliday , com a camiseta lilás estampada que comprei numa liquidação que achei nos Jardins.
Hoje me disseram que “Felicidade” é o nome de um filme triste. Não pode ser. Acho que esqueceram de mim em algum circo do interior, no íntimo de um estojo do instrumento metálico. Sou uma partitura e o sentimento da neblina, a nostalgia do que não quer voltar nem ir
Sem, sem ponto final porque estragaria tudo que sempre foi bom em nossas vidas
E ainda é selvagem

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